quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

O Conceito de hegemonia em Gramsci

Perante a complexidade do mundo actual, uma visão menos estato-cêntrica das relações internacionais se tornou fundamental para a compreensão dos actuais fenómenos tanto nacionais quanto internacionais. É neste sentido que o conceito de hegemonia em Gramsci se enquadra na actualidade. Sem dúvida que António Gramsci foi um dos filósofos que mais contribuiu para a moderna concepção de hegemonia enquanto parte fundamental das ciências sociais. Neste livro, o sociólogo Luciano Gruppi atenta trazer, e até contribuir, para que a noção de hegemonia seja trazida para o centro das discussões tanto para a organização social nacional, quanto internacional.

Devido as restrições espaciais, juntamente com a complexidade do tema apresentado pelo autor, adoptaremos a seguinte estratégia: num primeiro momento, expor os principais conceitos formadores do conceito de hegemonia em Gramsci;[1] e, em segundo lugar, analisar o impacto empírico deste conceito nos estudos das relações internacionais.

O conceito de hegemonia[2], segundo Gramsci, é complexo, onde sua acepção se baseia nos trabalhos de Marx (essencialmente na relação de dependência entre super-estrutura e estrutura) e, mais precisamente, na actuação de Lênin (no que diz respeito a compreensão deste estadista da luta cultural e politica enquanto factores fundamentais para a manutenção de um determinado grupo no poder – em suma, contra o determinismo económico). Deste modo, Gramsci começa por afirmar que “tudo é política, inclusive a filosofia ou as filosofias; e a única filosofia é a história em ato, ou seja, a própria vida”[3] (p. 1), permitindo-o assim aproximar a teoria com a prática política. E o elo entre política e prática, segundo Gramsci, é justamente o partido político (entendido aqui enquanto formador de consenso).

Esta particular noção e importância atribuída à história – derivada de Georges Sorel – (Cox, 1983), Gramsci concebe a noção de que a interactividade entre a estrutura (económica) e a super-estrutura (política e social) evita o reducionismo económico[4], formando assim o que chama de blocco storico. Para o filosofo, tal conceito tem uma vertente revolucionária (semelhante a revolução encontrada em sua época – e.g., a revolução bolchevique), onde a transformação (trasformismo) desta estrutura formada pelas esferas políticas, sociais e económica somente poderia ser substituída por uma outra capaz de igual ou superior características. Deste modo, não é possível existir um bloco histórico sem a existência de uma classe dominante. Por conseguinte, antes de seguirmos para os mecanismos de manutenção das classes hegemónicas, é fundamental compreender que a noção de poder em Gramsci se divide em “dominação” e “liderança moral e intelectual” (Arrighi, 1993), que remonta a figura mitológica apresentada por Maquiavel do centauro, onde a pratica política se resume a interacção entre coesão e consenso.

No entanto, para que essa classe dominante se mantenha no poder (para além de já “dever” exercer liderança) é necessário que disponha de alguns mecanismos de formação de consenso. Estes princípios estão descritos em sua principal obra Cadernos do Cárcere (Prison Notebooks), que foram feitos aquando sua detenção entre 1929 e 1935. Conforme Gruppi aponta, há vários filões que abrangem tal vasta obra, a relação entre cultura e povo, formação do estado italiano, a história dos intelectuais e sua relação com as massas. Entretanto há uma constante nos trabalhos de Gramsci, toda sua análise parte da compreensão ou derivam da questão de hegemonia (p. 65). A construção da formação intelectual faz parte da essência do conceito hegemonia em Gramsci, assim sendo as classes subalternas tem uma concepção do mundo que é directamente elaborada pelas classes dominantes. Assim sendo, os canais (segundo Gramsci) pelos quais as classes dominantes constroem seu sua influência ideal (ou seja, sua capacidade de difundir seus valores ideais) passam pelo controle da escola, da religião, do serviço militar, dos jornais (imprensa) locais, regionais e nacionais, por manifestações culturais, folclore, etc. Um outro ponto apresentado por Gruppi passa pela compreensão da relação entre de Marx, Maquiavel e Gramsci. Para Gramsci, “a hegemonia não é apenas política, mas é também um fato cultural, moral de concepção do mundo” (p. 73), passando necessariamente por uma reforma intelectual e moral (p. 72). Conforme supra mencionado, o mediador entre política e prática é justamente o conceito de partido político (revolucionário). Este é um factor fundamental para Gramsci, pois para este autor, o partido é o “príncipe moderno”, enquanto elemento unificador, moral e culturalmente. A grande crítica de Gramsci a Marx está fundamentalmente naquilo que Gramsci chama de materialismo vulgar, visão que combate veementemente as deformações do marxismo, entendido como materialismo mecânico. Entretanto não se deve entender que a visão grasmsciana se afasta do marxismo por completo, e nesta obra Gruppi consegue evitar tal percepção errónea. A descrição acima se resume a apresentar os principais elementos do complexo conceito de hegemonia em Gramsci, é crucial entendê-los sob a óptica de formação de classes sociais, inerentes de cada sociedade. A transposição para o internacional deve necessariamente incorporar tais princípios sob um conceito mais abrangente (ou alargado) de Estado.

Ao contrario da visão realista (a view from the top) da política internacional ou seja, onde os Estados têm prevalência nos assuntos internacionais, uma visão gramsciana das relações internacionais integra como parte fundamental do seu discurso as questões de estruturação/organização social (doméstica), essencialmente como difusões de valores ideais e culturais. Uma visão ou entendimento do mundo que tenha como principal escopo analisar as relações internacionais de baixo para cima (bottom-up ou a view from below) deve certamente ter em conta as relações sociais de poder, sua formação e seus instrumentos de manutenção de poder. O legado de Gramsci, concentrado e bem articulado nesta obra, ainda gera efeitos nos actuais pensadores sobre reestruturação e governação global, ordem(ns) mundial(is), tais como Robert Cox, Stephen Gill, Giovanni Arrighi, Robert Bocock, Jonathan Joseph, etc.

Notas

[1] Evidentemente que os conceitos aqui apresentados serão expostos em sua forma mais sumária. Tendo em mente que estes facilmente seriam tópicos de teses, livros, ou capítulos.
[2] O conceito de hegemonia é derivado do grego eghestai (ou hégemonía), que se traduz por “ser líder”, “ser guia”; “acção de guiar” (Houaiss 2001).
[3] Grifo do autor.
[4] É justamente a partir desta dialéctica entre o reducionismo económico (ou determinismo mecânico, segundo Labriola) que permite Gramsci edificar seu conceito de hegemonia. Robert Bocock advoga que estas acepções são importantes para uma análise metodológica (para que seja viável sua análise teórica). Neste sentido, Gramsci não exclui a vertente económica, mas sim dá mais valor às questões culturais, políticas e sociais do cenário interno dos Estados (Bocock, 1986).



Referências

Arrighi, Giovanni (1993), ‘The three hegemonies of historical capitalism’ in Gill, Stephen ed. (1993), Gramsci, historical materialism and international relations, Cambridge: Cambridge University Press, pp. 149-185.

Bocock, Robert (1986), Hegemony, London: Routledge.

Cox, Robert W (1983), ‘Gramsci, hegemony and international relations: an essay in method’ in Gill, Stephen ed. (1993), Gramsci, historical materialism and international relations, Cambridge: Cambridge University Press, pp. 49-66.

Gill, Stephen (1993), ‘Gramsci and Global Politics: toward a post-hegemonic research agenda’ in Gill, Stephen ed. (1993), Gramsci, historical materialism and international relations, Cambridge: Cambridge University Press, pp 1-18.

Gill, Stephen (1993), ‘Epistemology, ontology and the “Italian School”’ in Gill, Stephen ed. (1993), Gramsci, historical materialism and international relations, Cambridge: Cambridge University Press, pp 21-48.

Houaiss, Instituto Antônio. 2001. "Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa." 1.0 Edition: Editora Objetiva Ltda.

Joseph, Jonathan (2002), Hegemony: a realist analysis, London: Routledge.

Joseph, Jonathan (2008), ‘Hegemony and the structure-agency problem in International Relations: a scientific realist contribution’ in Review of International Studies, vol. 34, pp.109-128.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Ensaio Sobre a Cegueira


Estreia nos cinemas portugueses o filme Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meireles. O diretor de “Cidade de Deus” e “Jardineiro Fiel” baseado na obra do Nobel português José Saramago realiza um excelente filme.

Uma cidade é assolada por uma epidemia repentina e inexplicável. Uma pessoa no meio do trânsito alega ter ficado cega de uma hora para outra. Ao consultar médico e especialistas, vê que não existe nada fisicamente errado com seus olhos e volta para casa. No dia seguinte, mais e mais pessoas começam a ter a cegueira e de uma maneira inexplicável todos vão ficando cegos.

Para evitar mais contágio da misteriosa epidemia, o governo coloca os infectados em quarentena em um hospital velho e abandonado. Estes, são monitorados por guardas fortemente armados que os impedem de saírem do hospital. Logo, este está lotado e o sentido de sobrevivência vem à tona e o grupo entra em colapso. Primeiramente é feita uma divisão entre diferentes divisórias de camas, onde rapidamente percebe-se o tomar de lideranças, de que forma estas são respeitadas e criação de processos decisórios dentro dos diferentes grupos.

Em um ambiente assim, obviamente a briga pela comida será feroz e que controla esta controla todo o hospital. Rapidamente percebe-se a diferença de necessidades e de violências sofridas por homens e mulheres. Uma dessas, misteriosamente, não está cega e fingiu-se assim para ficar ao lado do marido, o médico. Ao ser a única que vê, a mulher do médico, possui papel central no grupo.

É um filme particularmente interessante para quem possui alguma sensibilidade para as Relações Internacionais, resolução de conflitos e questões de género. É um filme onde pode-se perceber claramente pontos como a “governamentabilidade/bio-política” de Foucault, ou o escalar e (d)escalar de um conflito, resolução pacífica (ou não) destes, assim como as diferenças vividas por homens e mulheres.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

O Império em Negação: As Políticas de Construção de Estados


É cada vez mais urgente um pensamento crítico referentemente às dinâmicas e políticas ocorridas no cenário internacional. Neste contexto, insere-se o olhar crítico e preciso de David Chandler no tocante ao state-building. Para Chandler, este trata-se da “construção ou reconstrução de instituições de governação capazes de prover os cidadãos com segurança física e económica”[1] (Chandler, 2006: 1) e é uma das questões políticas mais relevantes enfrentadas pela comunidade internacional atualmente. Questão presente, para o autor, não somente no pensamento pós-bélico, mas sim em qualquer relacionamento de Estados Ocidentais com não-Ocidentais. Dessa forma, desnudar a violência subliminar à esta prática é indispensável e aqui centra-se a presente obra.

A construção argumentativa da obra divide-se nomeadamente em três partes. A primeira delas foca nas dinâmicas de formulação de políticas Ocidentais. Aqui, além de mapeadas as diferenças e continuidades no tocante ao state-building em relação às políticas intervencionistas da década de 90, é analisada a problematização conceitual da soberania. Ainda nesta parte, outros dois pontos importantes são trabalhados: o privilégio da governação sobre o governo, no tocante às políticas de state-building; assim como a construção discursiva que separa o poder de sujeitos políticos, para que assim a negação do império ser sustentada.

Na segunda parte, à luz dessa dinâmica, é dada ênfase ao processo de alargamento da União Européia e a regulação externa na Bósnia. Este, para o autor, experimento chave, referente ao state-building internacional. Na terceira parte, Chandler observa mais atentamente o impacto das técnicas utilizadas dentro do state-building no campo. Analisa nomeadamente as práticas de anti-corrupção e aplicação da lei, e como estas enfraquecem o relacionamento entre as instituições estatais e suas sociedades. Posteriormente, segue o capítulo conclusivo de Chandler.

Nesse debate referentemente ao statebuilding é possível verificar claramente, diferentes vertentes teóricas. No campo mais ortodoxo nota-se, por exemplo Fukuyama vendo o state-building como dinâmica central no cenário internacional, dado que são os Estados fracos as fontes das diversas ameaças à segurança internacional (2004), ou então Rotberg, que vê no state-building um dos imperativos morais/estratégicos mais críticos de nosso tempo (2004). No plano crítico, aquele que enxerga nessa dinâmica uma forma de dominação/regulação, percebe-se duas vertentes. Chandler, parafraseando Cox[2], enxerga as críticas problem-solving, apolíticas e centradas na tecnicidade da questão, onde enquadra por exemplo a “institucionalização antes da liberalização” de Paris[3]. Na vertente mais crítica, é realizado um esforço para perceber porque o state-building tornou-se tão central na agenda Ocidental, além de enxergar os discursos envolvidos na aplicação desse dispositivo. Neste âmbito, enquadra-se a presente obra de Chandler assim como, por exemplo, o state-building exporting state-failure de Bickerton (2007).

Chandler expõe logo inicialmente como a idéia de fortalecimento da capacidade estatal é chave para o discurso das políticas de desenvolvimento. Mostra também, como o state-building é colocado no centro da narrativa de segurança internacional atual, que vê nos Estados com fraca governação interna, fontes de ameaça à segurança global. Ponto este, também ressaltado por Bickerton ao notar que o state-building passa a ser visto como necessário para manter a ordem internacional, pois ao contrario do que ocorria no passado, a construção narrativa da fonte de insegurança internacional passa não mais pelos Estados fortes e agressivos mas sim pelos fracos (2007: 94). Assim, o foco no fortalecimento da governação interna encaixa perfeitamente tanto com o discurso securitário quanto com o desenvolvimentista.

Para Chandler, essa lógica tecnicista e funcional no tocante à intervenção externa relativamente à capacitação estatal vem acompanhada de perto por uma problematização conceitual da soberania. Esta deixa de relacionar-se com o auto-governo e autonomia política para ser atenuada e até mesmo dividida em diferentes atributos. Dessa forma, formulações conceituais como “neo-trusteeship”, “pooled sovereignty”, ou “shared soverreignty” (Fearon e Laitin, 2004; Keohane, 2002; Krasner, 2004 apud Chandler, 2006: 40) surgem como sustentação teórica da intervenção externa. Assim, esta não somente é legitimada, mas principalmente é vista como positiva, como um fortalecimento dos Estados periféricos (Chandler, 2006).

Outro ponto ressaltado é a elevada despolitização do processo. Aqui, Chandler problematiza, por exemplo, como questões políticas passam ao lado da sustentação popular e da esfera pública e política. Problemas essencialmente sociais, económicos e políticos são abordados por soluções técnico-administrativas. Consequentemente, o state-building acaba criando instituições com pouca legitimidade/representatividade. Assim, o state-building produz “Estados Fantasmas”, que possuem tecnicamente alguma governação e instituições no papel, mas não são a incorporação da vontade política de sua sociedade e possuem, portanto, a esfera política atrofiada. Ideia esta, similar ao ponto de state-building como processo de state-failure colocado por Bickerton (2007).

Contudo, toda essa intervenção não é realizada de forma aberta e desmascarada, para Chandler, o império está em negação[4]. Está em negação não por pouco regular e intervir[5], mas sim, pelo fato do centro político decisor internacional mascarar tal intervenção com um tom não-político, terapêutico, administrativo/tecnicista e burocrático (2006). Tal ponto vai ao encontro da argumentação, por exemplo, de Bendaña, quando diz que mesmo tal processo sendo apresentado como uma solução técnica, possui pressupostos ideológicos profundos (2004: 6).

Difícil realizar uma análise tão precisa e acertada no tocante ao state-building quanto a apresentada por Chandler. Este, acertadamente, foca na construção teórica/linguística subliminar à dinâmica e verifica seus impactos no campo, ao invés de centrar-se na problematização dos instrumentos utilizados. Evidencia assim o alicerce desta violência que passa desapercebida aos olhos menos atentos. Assim, Chandler não somente abre caminho para uma maior desconstrução da dinâmica, mas também joga luz na forma de realizar tal empreitada. Na contemporaneidade, desmascarar violências é mais útil e urgente do que a busca por alternativas problem-solving. Dessa forma, a obra torna-se imprescindível.
Notas:
[1] Tradução livre do autor: No original: “[…] constructing or reconstructing institutions of governance capable of providing citizens with physical and economic security” (Chandler, 2006: 1).
[2] Ver (Cox, 1981: 128-130).
[3] Para crítica de Chandler, ver (2006: 6), para formulação teórica de Paris, ver (Paris, 2004: Capítulo 10).
[4] Tradução livre do autor para o original “empire in denial”.
[5] Para o autor existe inclusive mais regulação e controle ligados à ajuda, comércio e relações institucionais atualmente do que no passado.

Referências
Bendaña, Alejandro (2004) "From Peace-building to State-building: One Step Forward and Two Backwards", Presented at Nation-building, State-building and International Intervention: Between “Liberation” and Symptom Relief CERI - Paris 15th October 2004 (http://www.ceinicaragua.org.ni/documento/statebuildingpeace.pdf) [28th October 2008].
Bickerton, Christopher (2007) "State-Building: exporting State-Failure" in Bickerton, Cunliffe & Gourevitch (Ed.) Politics without Sovereignty: a critique of Contemporary International Relations. London: University College London Press, 93-111.
Chandler, David (2006) The Empire in Denial - The Politics of State-building. London: Pluto Press.
Cox, Robert (1981) "Social Forces, States and World Orders: Beyond International Relations Theory" Millennium – Journal of International Studies. 10 126-155.
Fukuyama, Francis (2004) State-building: Governance and World Order in the Twenty-first Century. London: Profile Book.
Paris, Roland (2004) At war's end: building peace after civil conflict. Cambridge: Cambridge University Press.
Rotberg, Robert (2004) "The Failure and Collapse of Nation-States: Breakdown, Prevention and Repair" in Rotberg, Robert (Ed.) When States Fail: Causes and Consequences. Princeton: Princeton University Press, 1-50.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

E se Obama fosse africano? Por Mia Couto


Para quem não o conhece Mia Couto é um dos mais conhecidos autores Moçambicanos e talvéz um dos mais renomados autores de lingua portuguesa. É autor de inúmeras obras e reproduzimos aqui texto de sua autoria no tocante à eleição de Barack Obama nos EUA mas com um olhar na África.
Apreciem!!
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E se Obama fosse africano?
Por Mia Couto

Os africanos rejubilaram com a vitória de Obama. Eu fui um deles. Depois de uma noite em claro, na irrealidade da penumbra da madrugada, as lágrimas corriam-me quando ele pronunciou o discurso de vencedor. Nesse momento, eu era também um vencedor. A mesma felicidade me atravessara quando Nelson Mandela foi libertado e o novo estadista sul-africano consolidava um caminho de dignificação de África.

Na noite de 5 de Novembro, o novo presidente norte-americano não era apenas um homem que falava. Era a sufocada voz da esperança que se reerguia, liberta, dentro de nós. Meu coração tinha votado, mesmo sem permissão: habituado a pedir pouco, eu festejava uma vitória sem dimensões. Ao sair à rua, a minha cidade se havia deslocado para Chicago, negros e brancos respirando comungando de uma mesma surpresa feliz. Porque a vitória de Obama não foi a de uma raça sobre outra: sem a participação massiva dos americanos de todas as raças (incluindo a da maioria branca) os Estados Unidos da América não nos entregariam motivo para festejarmos.

Nos dias seguintes, fui colhendo as reacções eufóricas dos mais diversos recantos do nosso continente. Pessoas anónimas, cidadãos comuns querem testemunhar a sua felicidade. Ao mesmo tempo fui tomando nota, com algumas reservas, das mensagens solidárias de dirigentes africanos. Quase todos chamavam Obama de "nosso irmão". E pensei: estarão todos esses dirigentes sendo sinceros? Será Barack Obama familiar de tanta gente politicamente tão diversa? Tenho dúvidas. Na pressa de ver preconceitos somente nos outros, não somos capazes de ver os nossos próprios racismos e xenofobias. Na pressa de condenar o Ocidente, esquecemo-nos de aceitar as lições que nos chegam desse outro lado do mundo.

Foi então que me chegou às mãos um texto de um escritor camaronês, Patrice Nganang, intitulado: "E se Obama fosse camaronês?". As questões que o meu colega dos Camarões levantava sugeriram-me perguntas diversas, formuladas agora em redor da seguinte hipótese: e se Obama fosse africano e concorresse à presidência num país africano? São estas perguntas que gostaria de explorar neste texto.

E se Obama fosse africano e candidato a uma presidência africana?

1. Se Obama fosse africano, um seu concorrente (um qualquer George Bush das Áfricas) inventaria mudanças na Constituição para prolongar o seu mandato para além do previsto. E o nosso Obama teria que esperar mais uns anos para voltar a candidatar-se. A espera poderia ser longa, se tomarmos em conta a permanência de um mesmo presidente no poder em África. Uns 41 anos no Gabão, 39 na Líbia, 28 no Zimbabwe, 28 na Guiné Equatorial, 28 em Angola, 27 no Egipto, 26 nos Camarões. E por aí fora, perfazendo uma quinzena de presidentes que governam há mais de 20 anos consecutivos no continente. Mugabe terá 90 anos quando terminar o mandato para o qual se impôs acima do veredicto popular.

2. Se Obama fosse africano, o mais provável era que, sendo um candidato do partido da oposição, não teria espaço para fazer campanha. Far-Ihe-iam como, por exemplo, no Zimbabwe ou nos Camarões: seria agredido fisicamente, seria preso consecutivamente, ser-Ihe-ia retirado o passaporte. Os Bushs de África não toleram opositores, não toleram a democracia.

3. Se Obama fosse africano, não seria sequer elegível em grande parte dos países porque as elites no poder inventaram leis restritivas que fecham as portas da presidência a filhos de estrangeiros e a descendentes de imigrantes. O nacionalista zambiano Kenneth Kaunda está sendo questionado, no seu próprio país, como filho de malawianos. Convenientemente "descobriram" que o homem que conduziu a Zâmbia à independência e governou por mais de 25 anos era, afinal, filho de malawianos e durante todo esse tempo tinha governado 'ilegalmente". Preso por alegadas intenções golpistas, o nosso Kenneth Kaunda (que dá nome a uma das mais nobres avenidas de Maputo) será interdito de fazer política e assim, o regime vigente, se verá livre de um opositor.

4. Sejamos claros: Obama é negro nos Estados Unidos. Em África ele é mulato. Se Obama fosse africano, veria a sua raça atirada contra o seu próprio rosto. Não que a cor da pele fosse importante para os povos que esperam ver nos seus líderes competência e trabalho sério. Mas as elites predadoras fariam campanha contra alguém que designariam por um "não autêntico africano". O mesmo irmão negro que hoje é saudado como novo Presidente americano seria vilipendiado em casa como sendo representante dos "outros", dos de outra raça, de outra bandeira (ou de nenhuma bandeira?).

5. Se fosse africano, o nosso "irmão" teria que dar muita explicação aos moralistas de serviço quando pensasse em incluir no discurso de agradecimento o apoio que recebeu dos homossexuais. Pecado mortal para os advogados da chamada "pureza africana". Para estes moralistas – tantas vezes no poder, tantas vezes com poder - a homossexualidade é um inaceitável vício mortal que é exterior a África e aos africanos.

6. Se ganhasse as eleições, Obama teria provavelmente que sentar-se à mesa de negociações e partilhar o poder com o derrotado, num processo negocial degradante que mostra que, em certos países africanos, o perdedor pode negociar aquilo que parece sagrado - a vontade do povo expressa nos votos. Nesta altura, estaria Barack Obama sentado numa mesa com um qualquer Bush em infinitas rondas negociais com mediadores africanos que nos ensinam que nos devemos contentar com as migalhas dos processos eleitorais que não correm a favor dos ditadores.

Inconclusivas conclusões

Fique claro: existem excepções neste quadro generalista. Sabemos todos de que excepções estamos falando e nós mesmos moçambicanos, fomos capazes de construir uma dessas condições à parte.

Fique igualmente claro: todos estes entraves a um Obama africano não seriam impostos pelo povo, mas pelos donos do poder, por elites que fazem da governação fonte de enriquecimento sem escrúpulos.

A verdade é que Obama não é africano. A verdade é que os africanos - as pessoas simples e os trabalhadores anónimos - festejaram com toda a alma a vitória americana de Obama. Mas não creio que os ditadores e corruptos de África tenham o direito de se fazerem convidados para esta festa.

Porque a alegria que milhões de africanos experimentaram no dia 5 de Novembro nascia de eles investirem em Obama exactamente o oposto daquilo que conheciam da sua experiência com os seus próprios dirigentes. Por muito que nos custe admitir, apenas uma minoria de estados africanos conhecem ou conheceram dirigentes preocupados com o bem público.

No mesmo dia em que Obama confirmava a condição de vencedor, os noticiários internacionais abarrotavam de notícias terríveis sobre África. No mesmo dia da vitória da maioria norte-americana, África continuava sendo derrotada por guerras, má gestão, ambição desmesurada de políticos gananciosos. Depois de terem morto a democracia, esses políticos estão matando a própria política. Resta a guerra, em alguns casos. Outros, a desistência e o cinismo.

Só há um modo verdadeiro de celebrar Obama nos países africanos: é lutar para que mais bandeiras de esperança possam nascer aqui, no nosso continente. É lutar para que Obamas africanos possam também vencer. E nós, africanos de todas as etnias e raças, vencermos com esses Obamas e celebrarmos em nossa casa aquilo que agora festejamos em casa alheia.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

A condicionalidade não é um instrumento essencial para garantir o sucesso das políticas de apoio ao desenvolvimento.






Como todo bom Botequim, todos têm voz na conversa. Abaixo post enviado por Moara Crivelente.


Moara Crivelente é estudante do curso de Relações Internacionais na Universidade de Coimbra.


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A política de condicionalidades para o apoio ao desenvolvimento, na maior parte dos países em que foi aplicada, vem comprovando a sua eficácia relativa ou, pior, a geral ausência de bons resultados tanto no sentido do desenvolvimento real e quanto apenas do crescimento econômico, o que parece ser o foco principal e muitas vezes o fim das políticas de ajuda externa neste âmbito.



A Primeira Geração de condicionalidades baseia-se apenas em pressupostos liberais de abertura de mercado, liberalização do comércio, retirada do Estado das ações econômicas, altas taxas de juros, dívidas infindáveis, privatizações em massa, menores gastos públicos, etc. A principal expressão disso era a política do Banco Mundial, na década de 1980, de colocar como condição aos seus prestamos ajustes setoriais e mesmo estruturais, sendo grande parte dos fundos emprestados direcionados a este fim.



Já na Segunda Geração de condicionalidades, com uma revisão de consciência acerca dos Direitos Humanos, democracia ou mesmo corrupção, decorrem-se interferências em assuntos políticos, estabelecendo-se um modelo de “boa governação”, que promoveria a democracia sobretudo para menor atuação do Estado em assuntos econômicos, e reveria em certa medida a posição sobre as políticas sociais. Mantém-se, todavia, do paradigma neoliberal em que se baseia o sistema econômico dos principais Estados doadores.



Segundo o Relatório sobre a Pobreza da OXFAM (1995), o modelo liberal continua em vigor, já que os doadores usariam os Programas de Ajustamento Estrutural para “obrigar governos a imporem taxas a serviços básicos como a educação primária, o acesso à saúde, a desvalorizarem a moeda nacional, a estabelecerem taxas de juros ditadas pelo FMI, a realizarem privatizações e liberalização dos mercados…” (tradução da autora). Isto tudo mesmo com a crescente constatação do erro na visão do Sul como uma entidade uniforme.



O incumprimento das condicionalidades impostas pelos doadores têm várias exemplificações, entre elas o caso de países como Zimbábue que, mesmo com constantes violações de Direitos Humanos, negação do direito ao desenvolvimento, direitos políticos, etc, continua recebendo apoio financeiro direto através do governo. Nem mesmo soluções como as smart sanctions – que afetam diretamente os responsáveis por essas violações e não a população de forma geral – foram ainda implementadas.



As sanções gerais poriam em causa a continuidade da entrada de fundos que garantiriam o pagamento da dívida e a manutenção das trocas comerciais com vantagens, colocando em risco a relação alcançada entre doadores e recipientes tanto em termos políticos como econômicos.

Por outro lado, a grande maioria dos países Africanos e alguns da América Latina, além de afundados em dívidas externas, seguem com baixo Índice de Desenvolvimento Humano e alto Índice de Pobreza Humana, mesmo depois de décadas seguingo planos estrangeiros de apoio ao desenvolvimento. Exemplos disso podem ser observados em dados do próprio Banco Mundial, que demonstra o declínio sofrido por países da América Latina e África que cumpriram as condições que lhes foram colocadas (2005).



Segundo mesmos dados do Banco Mundial, entre 1990 e 1993, mais de 13.4 biliões de dólares foram transferidos de África para seus credores, quatro vezes mais do que o gasto em saúde e educação juntas. E ainda assim, o pagamento da dívida não estaria seguindo as metas estabelecidas.

Para exemplificação, além de tudo, da manutenção dos modelos de condicionalidade, dois dos focos dados no “Guia de implementação da Boa Governação” do Governo Australiano (2000) referente à economia são a dinamização do setor privado, a economia aberta baseada no mercado e a implementação de normas sociais que respeitem o direito de propriedade para o funcionamento dos mercados. Ainda, a Agenda de Doha para o Desenvolvimento (Julho/2008) apresenta princípios como “apoio para o comércio”, ainda baseada na abertura do comércio, redução do nível máximo de proteção e redução do apoio doméstico à agricultura. Além disso, os credores estão envolvidos de forma demasiadamente intrusiva nesses países em nome da “eficiência da ajuda”.



Ravi Kanbur (2000) cita análises que concluem não haver ligação entre a entrada de apoio financeiro e o crescimento de indicadores de desenvolvimento per capita. As premissas são as relações entre apoio financeiro, crescimento e “um bom quadro de políticas macroeconómicas”. Segundo Bunside, citado por Kanbur, a conclusão está nessas relações, já que o apoio financeiro não iria para países com o requerido “bom quadro de políticas”, e no fato de que este apoio financeiro tampouco induz a esses quadros.

Através dessas análises evidencia-se o fato de que os condicionalismos hoje seguem os mesmos padrões liberais já criticados. A “Segunda Geração” de condições compõe-se apenas distrações às críticas contra o enfoque excessivo, sem bases e comprovadamente ineficaz no crescimento econômico para direcionamento geral ao desenvolvimento, cuja esfera de justiça social fica declaradamente para “longo-termo”.



Ao invés de abranger-se os condicionalismos, o que deveria ser aperfeiçoado é o estímulo à justiça no que se trata de crimes como a violação dos direitos humanos – não esquecendo, é claro, direitos económicos, sociais e culturais e o direito ao desenvolvimento – através de mecanismos regionais já existentes, como no caso da Comissão Africana para os Direitos Humanos, a OEA, ou, no caso da Ásia, que ainda não possui um mecanismo regional para o assunto, através do próprio Conselho para os Direitos Humanos das Nações Unidas, cessando as intervenções externas bilaterais, em sua maioria inquisitórias.



O desenvolvimento interno de políticas públicas mais eficazes deveria ser substituído pelas imposições externas vigentes de reformas e aberturas económicas maioritariamente insustentáveis. Novas formas de cooperação devem ser desenvolvidas de forma mais abrangente, horizontal e prática, reconhecendo-se a responsabilidade de toda a comunidade internacional por extremos de subdesenvolvimento presentes em diferentes cenários, tanto de “Sul” quanto de “Norte”.


Fontes:

Commonwealth of Australia – Good Governance Guiding Principles for Implementation. Canberra: Australian Agency for International Development, 2000. ISBN 0 642 44945 7

Gillespine, Alexander – The illusion of progress: unsustainable development in international law and policy. London: Earthscan Publications, 2001. ISBN 1 85383 757 1

Kanbur, Ravi – “Aid, Conditionality and Debt in Africa” in Finn Tarp (ed) Foreign Aid and Development: Lessons Learnt and Directions for the Future. London: Routledge, 2000.

Stokke, Olav – Aid and Political Conditionality. London: Frank Cass, 1995. (pp.1-87)

The Doha Development Agenda (2008). Disponível em http://www.worldbank.org/ , consultada em 25 de Outubro de 2008.

World Bank Institute (2008) – Governance Matters: Worldwide Governance Indicators 1996-2007.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

“Change Has Come To America”


Após 21 meses, muitos debates, muita propaganda, muito dinheiro gasto, muito escrutínio por parte da mídia e muita atenção internacional, a esperança da mudança vence o medo da mesmice. Barack Hussein Obama II é eleito o 44º presidente dos Estados Unidos.

Obama quebra alguns paradigmas fundamentais da política norte-americana e do fazer política nos Estados Unidos. Primeiramente não aceita fundos privados para levar adiante sua campanha. Rejeita assim, o dinheiro das taxas dos contribuintes e baseia as finanças da sua campanha em pequenas doações, de cinco, dez, vinte dólares. Mudança essa que segundo especialistas é uma mudança que vem para ficar na política americana.

Outro alicerce da campanha é a mobilização de pessoas que votam pela primeira vez e principalmente uma enorme mobilização de jovens que querem ter suas vozes ouvidas e especialmente seus votos contados. Uma campanha muito bem articulada e mobilizada de forma diferente, utilizando a tecnologia a seu favor, nomeadamente a Internet e SMS.

O Partido Democrata ainda quebra outro paradigma da política norte-americana, a inserção feminina durante a corrida não somente como figuração mas com reais chances de ganhar a nominação partidária. Hilary Cllinton ao competir de igual para igual pela nomeação democrata quebra um muro no tocante a inserção das mulheres não somente na dimensão política, mas na esfera pública como um todo.

Contudo a eleição de Obama é acima de tudo uma vitória de um movimento que começa muito antes com a abolição da escravatura e posteriormente com a luta por direitos civis. Barack Obama é o primeiro negro eleito presidente dos Estados Unidos. Isso por si só, já é algo extraordinário em qualquer canto do país com uma história escravocrata, mas é especialmente invulgar nos Estados Unidos onde a questão racial é especialmente uma questão explosiva. Espera-se que não mais!

Barack Obama percebe o momento turbulento que a sociedade americana enfrenta, o tempo crítico que vivemos como sociedade internacional e principalmente a situação em xeque em que se encontra a liderança norte-americana no cenário internacional e desde o início baseia sua campanha em “Change” e “Yes we can”. Em seu discurso como vencedor, Obama percebe a dura realidade que enfrentará no dia 20 de Janeiro de 2009, quando tomará posse.

Obama percebe que um país lutando duas guerras e em profunda crise financeira, vive em um mundo em perigo onde os desafios devem ser enfrentados em conjunto e tem muitas alianças a reparar e principalmente a recuperar. Ainda em seu discurso, Obama insinua que sua política externa será baseada no “soft power” quando diz que “o farol americano ainda está acesso […] a força americana vem não da força das armas, não da riqueza das finanças, mas do poder de seus ideiais”.

Barack Obama entra na sala oval com elevado suporte tanto no Senado quanto no Congresso. O partido Democrata ganha 5 cadeiras no Senado tendo a maioria de 56 posições. No Congresso a vitória foi maior, ganhou 18 cadeiras e aumentando sua posição para 252 lugares. Contudo Obama pretende unir os dois partidos em agendas comuns ao invés de usar a sua maioria nas duas casas para implementar sua agenda.







As eleições norte-americanas mexeram com todos, americanos e não americanos. Todos estavam atentos no que ocorria nos Estados Unidos. Mais do que nunca, os Estados Unidos precisam de um presidente unificador e não polarizador, algo que W. Bush falhou terrivelmente. É tempo de mudança nos Estados Unidos e de esperança de mudança no mundo.

Obama possui agora uma pequena janela de oportunidade. Recebe um mundo ao seu lado, ansioso por uma liderança positiva em busca de uma maior justiça social no globo. Exatamente o mesmo sentimento internacional que W. Bush teve logo após o atentado de 11/9 e a queda das torres do WTC e atentado no Pentágono. Resta saber se Obama diferentemente de W. Bush, usará essa boa vontade global para com os norte-americanos e construirá alianças internacionais para que possamos chegar à uma maior justiça social internacional. Fica a esperança do nosso Botequim, “Yes we can!”.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Cobertura das Eleições: Ohio, Pensilvânia e Illinois

Até o momento as projecções da emissora CNN apresentam uma grande vantagem ao candidato democrata Barack Obama no tocante aos votos eleitorais (para compreender melhor as eleições dos EUA, clique aqui). Os estados da Pensilvânia e Illinois apresentam uma vantagem de 31% e 9%, respectivamente, para o democrata. Entretanto, a maior conquista de Obama se encontra em Ohio, estado que tradicionalmente é republicano e, que segundo as projecções da CNN, apresenta uma vantagem de 12% para os democratas.



O resultado geral estimado até o momento pode ser visto nos gráficos abaixo, Obama com 194 dos votos eleitorais (lembrando que é preciso ter 270 votos eleitorais para ser presidente) contra 69 dos votos eleitorais para o candidato McCain.


Confira novas informações no botequim...

Na reta final... McCain ou Hussein?


Fonte: The New York Times



Há menos de doze horas para o resultado das eleições presidenciais norte-americana, o botequim traz uma excelente síntese da corrida a Casa Branca realizada pelo jornal New York Times (Clique AQUI para ver o vídeo). Deste a acirrada luta entre Hillary e Obama dentro do partido democrata, passando pela inclusão das personagens Sarah Palin e Joe Biden, e finalmente entre as trocas de acusações entre McCain e Obama nas mais diversas áreas (Joe, o canalizador; socialista; terrorista; entre outros). Tudo isso fez parte de uma das mais disputadas corridas à presidência da república dos Estados Unidos.

Para compreenderem melhor as dinâmicas das eleições e suas principais caracteristicas, CLIQUE AQUI para visualizar o vídeo interativo sobre o tema.


Apreciem sem moderação…



O botequim estará atento aos próximos acontecimentos das eleições… confiram!!!

sábado, 1 de novembro de 2008

A segurança internacional e a necessidade de se enxergar além do Estado


Reproduzimos aqui, artigo publicado por Ramon Blanco na Revista Autor.
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Os estudos de segurança sempre tiveram papel protagonista nas preocupações da disciplina de Relações Internacionais desde a sua criação. Sob uma perspectiva clássica, o Estado é o ente de referência do estudo e, portanto, o sujeito a quem deve-se proteger, sendo a segurança constituinte do mesmo, uma vez que o Estado moderno Vestifaliano/Weberiano é criado justamente em resposta à insegurança interna e externa.

O período da Guerra-Fria é marcado por uma agenda internacional sufocada e limitada pela lógica bipolar e o conceito de segurança não foge a isso, sendo este dominado pelo conflito armado direto entre Estados. Contudo, o fim da Guerra-Fria marca não somente a possibilidade da emergência de outros assuntos e temáticas na agenda internacional, mas também o surgimento de novas definições e objetos de segurança para além do Estado. Não se trata de dizer que o Estado perde importância para a segurança internacional, de forma alguma, mas sim em olhar para o interior do mesmo e perceber que um Estado seguro não necessariamente significa a segurança de sua população.

É neste contexto que surge o conceito de segurança humana, onde os objetos de referência são as pessoas e as ameaças diversas e muitas vezes difusas. Diante de tal panorama, o presente artigo vem chamar a atenção para uma crise que vem colocando sérios riscos à segurança internacional, o aumento no preço dos alimentos ocorrido no último ano, principalmente nos últimos meses e em alguns casos, tal aumento é ocorrido exponencialmente em questão de semanas. Crise essa que afeta mais pessoas que a tão falada crise imobiliária, e talvez podendo ter impacto ainda mais devastador que a crise financeira, uma vez que coloca em grave risco a imensa maioria populacional do planeta.

O preço de alimentos como por exemplo o arroz, o milho e outros grãos básicos, aumentou de forma significativa, chegando a dobrar ou mesmo triplicar. Tal cenário impacta diretamente os mais pobres, uma vez que estes têm nos alimentos uma grande parcela de seus gastos, podendo inclusive em alguns casos, representar até metade do gasto familiar.

A razão para tal aumento assenta-se principalmente em quatro dimensões: a mudança na dieta de uma grande população dos países emergentes; o aquecimento global; o aumento do preço do petróleo; e o grande aumento da utilização dos biocombustíveis. Aumento que para alguns não representa uma tendência de curto-prazo, mas sim uma mudança estrutural, sem retorno a patamares anteriores.

Os efeitos de tal acontecimento já vêm sendo percebidos em turbulências sociais em países africanos como Niger, Senegal, Camarões e Burkina Faso e preocupa ministros e diplomatas africanos, dado o grande potencial contagiante que tais eventos possa vir a ter em outros países. São evidenciados episódios violentos também no Egito, Costa do Marfim, Bangladesh, Filipinas e Haiti, neste levando inclusive à queda do Primeiro-Ministro. É preciso ter em mente que as turbulências sociais têm um grande efeito propagador e é isso que coloca em risco não somente as pessoas diretamente afetadas, mas também tem o potencial de afetar regiões inteiras e por conseguinte a segurança do sistema internacional como um todo.

Este retrato coloca os mais pobres, a imensa maioria da população mundial, expostos não só à uma violência direta, possivelmente derivada de uma escassez de recursos, mas principalmente à uma violência estrutural, esta muito mais profunda e difícil de ser superada. Tal situação é agravada ainda mais se pensarmos que tal aumento nos preços traz consigo uma lógica perversa, pois atinge também um grande instrumento de ajuda humanitária, o World Food Program da ONU, pois o impõe pesados custos operacionais, podendo assim afetar muito negativamente a sua atuação.

Diante deste panorama percebe-se que é preciso ter em mente a existência de outros atores, além dos Estados, que necessitam ser objetos de segurança e que existem outras ameaças, além dos conflitos armados clássicos, que causam insegurança, para que desta forma possam ser criadas medida e instrumentos eficazes para a superação da mesma. Dito isso, é necessário concordar com o representante do Qatar que na primeira reunião Conselho de Segurança de 2007, onde a pauta era justamente as ameaças para a paz e segurança mundiais, quando diz que:
“O conceito de segurança evoluiu ao longo do tempo e tornou-se mais completo e amplo para incluir questões como a segurança coletiva e outras que não eram evidenciadas com os conceitos estabelecidos pertencentes ao conflito armado. As guerras não são mais as únicas coisas que ameaçam a segurança das pessoas” (UN, 2007:4).
A frase é bastante precisa e pertinente não somente ao mencionar o alargamento das ameaças, mas principalmente, ao colocar a referência no sujeito que deve ser alvo de segurança no plano internacional, as pessoas.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Impacto da crise financeira na ajuda ao desenvolvimento na África


Muito tem se comentado sobre a atual crise financeira e seus impactos. Tem se falado sobre a intervenção Estatal na economia e seus planos de recuperação, sobre a possibilidade e necessidade de uma nova estrutura financeira internacional e inclusive os impactos da crise sobre por exemplo a América Latina.

Recentemente, um debate muito interessante ocorreu na rede de televisão Al Jazeera sobre os impactos da recente crise financeira na ajuda ao desenvolvimento na África. Dois posicionamentos bem claros puderam ser observador durante a discussão. Um deles é que toda essa crise financeira teria um impacto muito negativo na África, pois esta depende muito da ajuda externa e o orçamento dos países doadores seria muito afetado e portanto menos dinheiro estaria disponível para ser direcionado à ajuda externa. Fato esse que seria muito prejudicial aos africanos.

O ponto contrário é que esta crise financeira e consequente diminuição da ajuda ao desenvolvimento na África seria algo positivo para os africanos. O argumento é defendido dizendo que ao longo dos 30 anos de ajuda ao desenvolvimento na África, essa ajuda vem sendo acompanhada de inúmeras condicionalidades e que isso limita aos africanos de serem responsáveis por suas próprias políticas. Assim, tal ajuda seria muito mais contrária do que benéfica ao desenvolvimento africano.

Mark Duffield em seu livro Global Governance and the New Wars: The Merging of Development and Security mostra justamente o quanto as ajudas humanitária e ao desenvolvimento vem sendo securitizadas e o quanto esses instrumentos fazem parte justamente de uma governação global. David Chandler em Empire in Denial – The Politics of State-building argumenta justamente que atualmente, por meio das condicionalidades, no caso de países em desenvolvimento, ou por meio de políticas de reconstrução pós-bélica, no caso de países saídos de conflitos, os países centrais possuem um nível de interferência muito maior do que por exemplo no século XIX, contudo esses mesmos países fazem de tudo para negar tal poder e interferência, estando assim o Império em Negação.

Como pode ser visto, é um tema interessantíssimo e com muita margem para discussão.
Apreciem o debate!


segunda-feira, 27 de outubro de 2008

W.


Chega às telas dos cinemas portugueses, W., mais um filme de Oliver Stone. O autor de JFK e Nixon lança um filme que é uma espécie de biografia do 43º Presidente Norte-Americano e ao mesmo tempo uma sátira ao seu comportamento e modo de pensar.

O filme tenta mostrar como George W. Bush, um estudante bêbado de fraternidade, foi crescendo politicamente para tornar-se o presidente da maior potência do planeta. W. mostra um rapaz fanfarrão que sempre está à sombra de seu pai, George Bush. Bush pai é herói de guerra, graduado com louvor em Yale, bem sucedido no negócio de petróleo e está em ascensão na política.

Stone exagera em muitos clichés e caracterizações, o que faz do filme fraco para quem espera pensar criticamente a política recente norte-americana. Contudo, ao exagerar nas caracterizações, torna claro para todos, inclusive aqueles que não acompanham a política dos Estados Unidos, pontos do processo de moldagem do atual presidente.

Ainda em Yale, W. faz parte da famosa associação Skull and Bones que para muitos está na origem dos serviços de inteligência dos Estados Unidos, nomeadamente a criação da CIA. Ponto abordado no filme The Good Shepherd. Posteriormente W. tenta carreira no ramo de petróleo e financeiro mas sem qualquer sucesso. Chega inclusive a entrar na tão seletiva turma de MBA em Havard, mas nada disso tira a sua imagem de perdedor sem rumo.

Ponto de destaque do filme é a preferência clara por parte de Bush pai pela carreira política de Jeb Bush, irmão de W. George W. vê-se sempre preterido e sempre em busca de atenção e principalmente aprovação de seu pai. Ao concorrer à presidência, Bush pai sem ter Jeb (ocupado com a Flórida), chama W. para gerenciar sua campanha e ao ganhar as eleições, W. finalmente ganha algum respeito paterno.

Depois de sua mal sucedida campanha ao Congresso, W. se candidata com sucesso ao governo do Texas. Realiza uma campanha sem erros crassos, algo muito esperado pelos Democratas, e consegue assim chegar ao seu primeiro cargo executivo.Outro ponto exagerado, até mesmo ridicularizado, é o envolvimento de W. com a igreja. Em diversos pontos do filme o rezar faz parte do término das reuniões.

Percebe-se também, o destaque dado à influência de Dick Cheney (Vice-Presidente) no processo decisivo presidencial. Powell (na époce Secretário de Estado) é retratado como alguém moderado e sensato no meio de falcões, tendo suas visões e posicionamentos sempre questionados.

W. é um filme que não deve se esperar muitas reflexões críticas, contudo, vale como forma de observar um pouco mais de perto a vida do atual presidente em exercício norte-americano e tentar entender como sua vida reflete em muito suas decisões.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Novas Soluções para “Novos” Problemas – Um Novo Betton Woods?


Como já foi comentado aqui no nosso Botequim, as ações para conter a crise financeira internacional tem aberto algumas questões no tocante a governação econômica atual, nomeadamente as estruturas financeiras criadas no pós 2ª GM e sua capacidade de responder às crises do século XXI. Desde o início da crise financeira internacional que tanto os mercados financeiros quanto os próprios estados vêem buscando alternativas na tentativa de estancá-la. Nos EUA isso se materializou através da injecção de US$ 700 bilhões, assim como na Europa através de uma acção conjunta através da Comissão Europeia, um resgate de cerca de €2 triliões. Na América do Sul também já pode ser observadas mobilizações para discussão e ação face a crise no âmbito do Mercosul.
Semana passada ficou acordada, para o fim do ano, uma reunião para a discussão de reformas no sistema financeiro atual. Esta foi discutida brevemente em Camp David em um encontro entre Bush, Sarkozy e Manuel Barroso. A visão francesa é de que existe uma oportunidade para criar-se um “novo capitalismo”, livre das práticas passadas. Com base na reunião de Bretton Woods que formulou a nova ordem financeira internacional depois da segunda Guerra Mundial Sarkozy ainda sugeriu que este novo sistema financeiro internacional fosse cunhado na sede nas Nações Unidas em Nova York.
Apesar da necessidade de intervenção estatal e de uma reconfiguração urgente do sistema financeiro internacional, a forma pela qual esse processo deve se materializar está a gerar alguma inquietude e divergências no próprio seio dos estados-membros europeus. A França gostaria de ver a criação de um fundo soberano com o intuito de injetar Euros na economia europeia e segundo suas palavras “proteger campeões famosos da indústria europeia”. Sarkozy está se dirigindo diretamente aos fundos soberanos árabes, que devido à alta recente no preço do petróleo, estão às compras de empresas ocidentais.
A posição francesa é apoiada por Manuel Barroso e pela Itália, onde já possui legislação no parlamento com o intuito de limitar a ação de tais fundos estrangeiros. Estas posições são contrabalançadas pela Alemanha, onde tal ideia é vista como muita discordância e pela Espanha, que vem muito fortemente tentando atrair este tipo de capital externo.
Na tentativa de responder o que virá à frente, parece que o mundo está passando por um momento em que a intervenção do estado na economia veio para ficar e tal discussão acabou. Posição esse endossada e explanada por exemplo pelo historiador britânico Eric Hobsbawm, que acredita que estamos perante um separador de águas, comparando a atual crise financeira com o momento da queda do mundo soviético.
Fiquemos atentos ao desenrolar dos acontecimentos…




segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Quinze Dias...

Mais um nome de peso declara seu voto ao Senador Democrata Barack Obama, o General e ex-Secretário de Estado Colin Powell (ver). O anúncio foi feito ontem em uma entrevista em um programa matinal Meet the Press quando Powell diz que seu partido tomou “ direções preocupantes nos últimos anos” quando “moveu-se mais à direita do que ele gostaria de ter visto" (ver). Powell disse que Obama, dos dois candidatos, além de possuir uma agenda mais inclusiva, é uma figura transformadora, além de representar uma mudança de geração necessária para os Estados Unidos no momento.

Relativamente à McCain, Powell criticou seu julgamento no tocante à crise financeira e à escolha da Governadora Palin como sua vice, alegando que a mesma não está preparada para ser presidente dos Estados Unidos, o trabalho do Vice-Presidente para Powell. Além dos pontos acima, Powell destacou a crescente campanha negativa realizada por McCain, chagando inclusive a ligar Obama à terroristas, assim como insinuar que alguém de fé islâmica não poderia ser presidente dos Estados Unidos.

Powell trás para Obama um forte endosso, uma vez que o mesmo além de ter sido general em uma das guerras de maior sucesso entre os americanos, a do Golfo (a primeira), ocupou cargos como Secretário de Defesa, Conselheiro de Segurança Nacional, assim como Secretário de Estado. Trás portanto o peso de um especialista nas questões nas quais Obama recebe mais críticas, a segurança e as relações externas. Powell afirma que sua decisão não foi repentina, mas sim resultado de um processo que vem moldando seu apoio nos úlitmos meses. Asssim sendo, os debates promovidos pela comissão eleitoral norte-americana certamente que teve algum peso nesta decisão. Deste modo, aqui no nosso botequim, trazemos em suma os pontos mais altos deste último debate.

Meet the Press - Powell endorses Obama


No passado dia 16 de Outubro – há 19 dias das eleições norte-americanas – se deu o último debate (de três) entre os candidatos presidenciais. Mais uma vez, e talvez aqui o mais acirrado encontro entre os dois, Obama e McCain discutiram suas propostas de política interna (redução de impostos, seguro de saúde, alternativas energéticas, etc.). Sabendo de sua efetiva desvantagem, McCain trouxe ao debate o personagem do momento: Joe, the plumer ! Ora, a proposta de Obama se baseia num corte imediato de impostos para aqueles que ganham menos de 250.000 U$/ano, ou seja, a grande maioria da população norte-americana (95%). Assim, Joe, que atualmente ganha mais do que isso, veria um aumento em suas obrigações para com o Estado. E foi justamente neste ponto que McCain baseou seu discurso. Em termos menos rigorosos, nas conversas de botequim, isso se chama “desespero agudo”. Apesar das frases “eu não sou o presidente Bush” e “se quisesse concorrer com Bush deveria ter se candidatado há 4 anos”, o senador republicano não conseguiu convencer o público de sua emancipação face seu antecessor: “it didn’t happen!” diz Mark Preston a CNN (ver). De fato, Obama manteve cauteloso, calmo, e menos agressivo durante todo o debate, exactamente o oposto de seu rival. Em suma, pesquisas mostraram mais uma vez a superioridade do candidato democrata neste terceiro debate. Segundo a rede televisiva CNN, 58% de seus telespectadores acreditam que Obama realizou um melhor debate, contra 31% dos votos para o candidato republicano McCain (ver).

Atualmente, o senador Obama possui uma vantagem de 5% sobre McCain, bem como 277 dos votos gerais (sendo necessário 270 para vencer), como mostram os gráficos abaixo.
















Estaremos então perante uma fase da política norte-americana onde um Hussein irá depor um Bush? Ainda restam duas semanas para as eleições que, na linha temporal da briga política entre republicanos e democratas, é uma eternidade. Mas entre uma e outra conversa de botequim, estaremos atentos aos próximos petiscos desse cardápio…



Apreciem!!!!

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

A mão grande e nada invisível do Estado.


(fonte: IHT.com)

Ontem foi realizada a maior intervenção governamental no sistema bancário norte-americano desde a Grande Depressão. Nove dos maiores bancos dos EUA tiveram que aceitar vender suas ações ao Tesouro como forma do governo injetar US$ 250 bilhões no sistema bancário, plano este que teve sua origem do outro lado do Atlântico, com Gordon Brown. Essa foi apenas mais uma das inúmeras medidas tomadas pelos Bancos Centrais ao redor do mundo para lidar com a crise financeira. Dentre essas medidas está o sem precedentes corte de taxa de juros coordenada pelos principais Bancos Centrais do mundo, incluindo o americano (FED), o europeu (European Central Bank), o inglês (Bank of England) e “por coincidência”, segundo os chineses, o banco chinês (Banco Popular da China), além do famoso pacote de socorro de US$ 700 bilhões nos EUA.
Do outro lado do Atlântico, Gordon Brown (PM britânico), desenha um plano de resgate injetando um montante que pode chegar aos £ 500 bilhões. Brown consegue convencer seus pares europeus e uma Europa poucas vezes tão coordenada, libera em seu mercado um valor que pode chegar aos € 2 trilhões somando todos os
27 Estados-Membros. Sarkozy anunciou um pacote de € 360 bilhões, enquanto Merkel anuncia um de € 500 bilhões enquanto Áustria e Espanha disponibilizam perto de € 100 bilhões cada. Para uma linha do tempo da crise ver Linha do Tempo.

Toda essa intervenção estatal na economia global leva à uma série de questionamentos. Primeiramente, pode levar à uma surpresa ao ver os EUA, grandes advogados do mercado livre e não interferência estatal nos assuntos econômicos, realizando algo dessa magnitude. Contudo, uma análise mais cuidadosa percebe que essa não é a primeira vez que o Tio Sam assume o controle de partes da economia. Outras perguntas podem surgir no tocante à gestão da economia global, será que estamos assistindo ao fim da ideologia do liberalismo/neo-liberalismo?! Quais seriam as estruturas econômicas globais necessárias para lidar com os problemas do século XXI em diante? Uma vez que as atuais são moldadas para lidar com um mundo saído da 2ª GM e congelar o status quo em favor dos vitoriosos. Perguntas difíceis de responder.
Contudo algumas reflexões podem ser tiradas. A primeira e mais óbvia é que a grande interdependência nos obriga a pensar em respostas cada vez mais concertadas ao abordar problemas cada vez mais compartilhados. A segunda é que fica cada vez mais claro que se fazem necessários novos mecanismos de regulação e governação global no tocante à economia. Novas soluções para novos problemas. O impacto disso nas correntes teóricas económicas e nos currículos universitários ainda está por vir e debater.
Nessa crise toda, duas pessoas claramente saíram ganhando. A primeira delas é Gordon Brown. O Primeiro-Ministro inglês vinha passando por grandes dificuldades na política interna inglesa e o seu plano ao ser corroborado por seus pares europeus, cruzar o Atlântico e tornar-se política global para lidar com a crise dá mais fôlego a ele e consequentemente ao seu partido. Outra pessoa que saiu ganhando nesta crise toda está menos falado. É o mega investidor Warren Buffet ao ver a sua fortuna aumentar em US$ 8 bilhões e assim superar Bill Gates como homem mais rico do mundo.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

A volta de Saddam Hussein?!

Numa divertidíssima sátira à política externa de G.W. Bush, a série South Park conseguiu capturar de forma brilhante sua essência. Os fundamentos apresentados pelo governo norte-americano aquando da invasão iraquiana, em Março de 2003, não se afastaram muito das apresentadas pela série de televisão num hipotético retorno de seu maior protagonista: Saddam Hussain. A mesma gira em torno de um episódio das tão famosas armas de destruição em massa que estavam no cerne da questão no tocante a invasão deste mesmo país.

Na série, a sátira não podia ser melhor identificada quando o alto representante das forças armadas apresenta evidencias “claras” de um possível desenvolvimento desses armamentos no céu. Uma exposição não muito diferente da realizada pelo secretário de estado Colin Powell perante as Nações Unidas, em Fevereiro de 2003, afirmando que a existência de WMDs no Iraque estão baseadas em “evidências sólidas”.

Num outro momento, a perplexidade dos membros da Nações Unidas perante uma possível invasão do céu é totalmente alinhada com a hesitação da comunidade internacional diante da ligação por parte da administração Bush entre guerra contra o terrorismo, armas de destruição em massa e a invasão ao Iraque.

Confira o vídeo:

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Obama vs McCain - 2nd Round 08-10-2008







Nesta madrugada (2:00 GMT) ocorreu o segundo debate entre os candidatos presidenciais norte-americanos Barack Obama e John McCain. Como esperado, uma acirrada disputa entre republicanos e democratas que passou não só pelo tradicional divórcio partidário, mas também pela clara diferença no tocante à propostas apresentadas por cada candidato...
O debate se deu em um formato de “town hall meeting” o que em princípio poderia ser a chance de McCain tentar reverter a sua posição no tocante ao número de delegados, uma vez que tal formato é o que o candidato tem melhor performado. Até o momento, Obama tem está na liderança nas pesquisas, tanto no número de delegados quanto na importância dos assuntos tratados por este: fundamentalmente a economia (58%).

Portanto, o contexto é este: o desafio de McCain é apresentar “suas” ideias, de forma clara descolando-se assim ao máximo do pesado legado de Bush, uma vez que a atual crise financeira, é vista como repercussão da má administração deste. Imagem que Obama faz de tudo para colar mas ainda em McCain. Assim sendo, e como pode-se imaginar, no botequim essa conversa seria regada à muitos petiscos e várias skols …

O que se pretende aqui é sumariar os principais pontos que distanciaram os candidatos, tomaremos assim os seguintes tópicos,

ENVIRONMENT

McCain: We can work on nuclear power plants. Build a whole bunch of them, create millions of new jobs. We have to have all of the above, alternative fuels, wind, tide, solar, natural gas, clean coal technology.

Obama: Our goal should be, in 10 year's time, we are free of dependence on Middle Eastern oil. And we can do it. Now, when JFK said we're going to the Moon in 10 years, nobody was sure how to do it, but we understood that, if the American people make a decision to do something, it gets done.


IRAQ

McCain: If we had done what Senator Obama wanted done in Iraq, and that was set a date for withdrawal... then we would have had a wider war... Senator Obama would have brought our troops home in defeat. I'll bring them home with victory and with honour.

Obama: When Senator McCain was cheerleading the president to go into Iraq, he suggested it was going to be quick and easy, we'd be greeted as liberators. That was the wrong judgment, and it's been costly to us.


RUSSIA

Moderator: Do you think that Russia under Vladimir Putin is an evil empire?

McCain: Maybe.

Obama: I think they've engaged in an evil behaviour and I think that it is important that we understand they're not the old Soviet Union, but they still have nationalist impulses that I think are very dangerous.



IRAN/ISRAEL

McCain: What would you do if you were the Israelis and the president of a country [referring to Iran] says that they are determined to wipe you off the map, calls your country a stinking corpse?... We can never allow a second Holocaust to take place.
Obama: We cannot allow Iran to get a nuclear weapon. It would be a game-changer in the region. Not only would it threaten Israel, our strongest ally in the region and one of our strongest allies in the world, but it would also create a possibility of nuclear weapons falling into the hands of terrorists.

(todas as citações foram retiradas do site BBC News)


Estes foram alguns dos tópicos mais acirrados entre os candidatos. Assim, no nosso botequim gostaríamos de comentar alguns pronunciamentos (não respeitando nenhuma ordem acima mencionada). Ficou a impressão, e pode-se ver isso nitidamente nas transcrições do debate, que o candidato democrata tem efectivamente um plano a desenvolver, é mais claro e organizado na maioria das respostas e, sempre respondendo as questões com um tom de confiança, ponto este que ficou mais do que claro inclusive com relação ao entendimento dos candidatos relativamente à Rússia Fato que era explorado por McCain ao dizer que Obama não tinha se pronunciado de maneira clara quando estourou o caso Geórgia. Por outro lado, peca em alguns momentos do debate, principalmente alusivamente à questões de politica externa. No caso paquistanês, no seu “we have to act” (referindo-se ao respeito da soberania paquistanesa) Obama volta as inúmeras vezes que esta frase foi invocada por G.W. Bush aquando tanto da invasão afegã, quanto da iraquiana. No botequim a guerra do Iraque é totalmente injustificada, não se é entendido a ligação entre guerra do Afeganistão (contra o terrorismo) e a invasão iraquiana (guerra democrática?), ponto que foi sublinhado por Obama, e bem pouco desenvolvido por McCain.
É interessante notar, embora com palavras distintas, ambos os partidos (e candidatos) suportam o Estado de Israel contra o desenvolvimento de armas nucleares iraniano.

No geral, e este é um sentimento partilhado com os dados apresentado pela rede de televisão CNN logo após o debate (clique aqui), acreditamos que, não só McCain não conseguiu seus objetivos de se emancipar das políticas de seus partido e colega G.W. Bush, como perdeu nas disputas de palavras em sua batalha com o Obama. Em suma, o democrata continua, segundo as pesquisas (ver), a manter sua relativa vantagem sobre o republicano.

Mas no nosso botequim você também tem voz, entre na nossa “sondagem” e dê SUA opinião.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Prevenção e Gestão de Conflitos

Sexta-feira passada (03/10/2008) começaram as aulas do Programa de Doutoramento em Política Internacional e Resolução de Conflitos da Universidade de Coimbra. A primeira aula foi dedicada a uma reflexão sobre tanto sobre o entendimento da paz quanto da violência. A discussão foi bastante intensa e, ao mesmo tempo, produtiva passando assim por alguns pontos fundamentais.

Primeiramente, foi debatido a eficiência do atual modelo (nomeadamente as missões de peacekeeping) das Nações Unidas em suas formas tradicionais (peace promotion, peacekeeping, peacemaking e peacebuilding) como resposta aos conflitos. Foi visto que este talvez possa ajudar mais, caso este não seja implementado de forma faseada, mas sim utilizando os instrumentos de maneira interdependente. A partir daí, foi percebida a necessidade de (re)pensar a separação entre paz/guerra para assim analisar realidades menos simplistas como por exemplo áreas de conflito intenso dentro de contextos de paz formal.

Nesta mesma direção, outro debate interessante girou sobre a separação entre o conflito e violência, onde o conflito faz parte inerente de todas as sociedades, ou seja, não pode ser “resolvido” mas sim transformado. Entretanto, o que pode, e deve, ser evitado é a violência. Assim sendo, a paz seria o contraponto à violência, e não ao conflito. Com isso, passa-se a olhar formas de como as sociedades podem gerir os conflitos de maneira não violenta e direcioná-lo de forma positiva.

Em terceiro lugar, o debate passou por avaliar quais seriam as (pré) condições necessárias que deveriam nos guiar quanto ao pensamento de quando intervir. Dentre vários pontos debatidos, os mais recorrentes foram a questão humanitária e a existência ou não de instituições próprias capazes (e com interesse) de lidarem com o conflito. Embora não haja consenso nem repostas certas e erradas a este respeito, pode-se verificar que, entre diversas correntes, houve uma constante nesse debate: a de que não há como identificar, em termos de linha temporal, o(s) momento(s) mais adequado de intervenção (seja ela de qualquer cariz supra mencionado) invocados por tais instituições.

Finalmente, foi colocada também a questão dos fluxos que de alguma forma passam pelos conflitos, sendo esses nomeadamente armas ligeiras, drogas, pessoas, dentre outros. E como a regulação e em alguns casos estancamento de tais fluxos podem contribuir para a transformação do conflito para uma realidade não violenta.

Enfim, foi um grande debate, uma conversa bastante provocativa relativamente ao pensamento que incita à procura de alternativas (e.g., respostas) às violências, e esperamos que tenha sido tão proveitoso para todos como foi para nós.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Bem-vindos...

Hoje inaugura-se oficialmente o nosso botequim...

Num ambiente descontraído, relaxado e, ao mesmo tempo sério, pretende-se realizar uma análise crítica dos principais acontecimentos atuais. No nosso cardápio encontra-se políticas inter-nacionais, filmes, documentários, debates, livros, e muitos mais....

Sente-se, divirta-se e, essencialmente, aprecie SEM moderação !!!!


Ramon Blanco e Fernando Ludwig

Duelo de Titãs: Foucault vs Chomsky

"...a fundamental element of human nature is the need for creative work... free creation ... without the arbritarian limiting effect of coercive instituitions...any decent society should maximize the possibilities for these fundamental human characteristic to be realised... that means, trying to overcome elemens of repression/opression, destruction and coersion... existing in any society..."

Assim começa o debate entre dois grandes ícones da ciência política, que facilmente pode ser utilizado como fonte de idéas e discussões para o estudo das relações internacionais.

Chomsky, inicialmente exprime suas impressões de uma sociedade ideal, que visa a autonomia da natureza humana em relação às instituições coercivas presentes em todas as sociedades atuais. Por outro lado, Foucault critíca veementemente a organização e os instrumentos utilizados pelas elites políticas a fim de manter/defender seus interesses, como por exemplo o sistema de ensino ("distribuição do saber") e a psiquiatria.

Na segunda parte do debate, Foucault argumenta que a noção de justiça por si só, representa a reivindicação e a justificação de uma classe marginalizada/oprimida. Ponto que Chomsky claramente refuta e acredita ser reducionista...

Enfim, uma interessante discussão sobre a natureza humana, justiça, e a construção/estruturação da sociedade civil.


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